terça-feira, 5 de outubro de 2010

FIM DE TUDO

           
            Está quente aqui fora; lá dentro deve estar muito mais.
            Hoje foi o fim de tudo, mas não estou triste, todo fim traz consigo um novo começo.
            Durante anos trabalhei duro; desde os primeiros anos de escola até o último de faculdade. Fiz o mesmo com meu emprego; dava tudo de mim, pouca vida social e não muitos amigos.
            Vivi muito tempo em função dos outros, fazia de tudo para agradar. Fiz a faculdade que minha mãe queria; sempre dei o sangue no serviço, como meu pai fazia. Aceitava quase tudo vindo de meus amigos por conta de minha dificuldade em dizer não. Até mesmo namorei a garota que meu amigo dizia ser ideal para mim. Gostei muito dela... de verdade.
            Esforcei-me mais, juntei uma grana, comprei uma casinha em um bairro ermo (como meu pai queria). Minha mãe a decorou e minha namorada a ajudou... confesso que até pensei em casamento. E então, não mudei só de casa, mas também de rotina. Não vivia mais em função do trabalho somente, mas em função dela também.
            Tudo o que ela desejava e estivesse ao meu alcance, eu lhe dava. E não me refiro somente a coisas materiais, dei a ela todo o carinho e amor que pude, muito além do que recebi.
            Ontem ela me ligou avisando que não estava muito bem, portanto não viria me ver, então sai para tomar um ar, afinal há tempos não andava pela rua (a não ser para levá-la onde queria). Há diversas quadras de casa vi uma cena difícil de digerir, lá estava ela aos beijos com um cara que eu nem fazia idéia de quem era. Minha vontade era esmurrar os dois, mas nunca fui de violência. A raiva corroia meu estômago, eu tinha que fazer algo para liberar toda aquela ira.
            Corri tanto na volta pra casa que mal vi as quadras passarem. Em um acesso de fúria quebrei tudo ao meu alcance; horas mais tarde, cansado de tantos chutes e socos adormeci no tapete da sala. Acordei no meio da tarde e logo percebi o imenso estrago que causara, quase tudo quebrado... a única coisa intacta em minha estante era a maldita garrafa de Tequila importada que ela me dera. Então tive a fatídica idéia!
            Peguei meu celular e liguei para o meu chefe; sem maiores explicações me demiti, ele disse alguma coisa que nem fiz questão de ouvir, desliguei. Abri a garrafa de nome estranho espanholado e dei um gole para cada parte de minha casa. Da porta da rua era possível sentir o cheiro inebriante de álcool. Já do lado de fora joguei para dentro o restinho que sobrara na garrafa, com um lenço em chamas em seu gargalo.
            Posso sentir o calor aqui do outro lado da rua. Ainda bem que não tenho vizinhos.
            Hoje dei fim a vidinha medíocre que levava, e a tudo que me ligava a ela. Amanhã... bom, amanhã será outro dia... por enquanto tudo em que penso é: como nunca reparei quão bela é a cor laranja? Para mim, a cor do fim.  As labaredas laranjas dançam cobrindo toda a casa, o calor acaricia meu rosto cansado. O fogo me trouxe o fim. Meu novo princípio será cinza, porém mais colorido do que nunca e, o mais importante, com as cores que EU escolher!

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