segunda-feira, 27 de setembro de 2010

A poltrona marrom


Noite de sexta-feira, estou em casa sozinha, sentada na poltrona da sala olhando pela janela os pingos de chuva que caem lá fora. Do telhado, escorrem pela vidraça onde apoio minha cabeça e os vejo chegar ao chão se desfazendo no concreto. Estou na poltrona marrom. Poltrona em que, dezenas de vezes, sentamos juntos para ver as estrelas. Hoje não vejo estrelas, parece que cada pingo de chuva é uma estrela que cai do céu... e uma lágrima que rola em meu rosto.
            Hoje não tenho você ao meu lado; e sofro por isso. Choro enquanto, com uma mão, acaricio o tecido macio e marrom do estofado. A outra mão pressiona meu peito que parece querer explodir em mil pedaços. E desato a soluçar quando penso que a culpa foi minha.
            Amei você com todo o meu corpo e minha alma, mas fui injusta. Não confiei em você, menosprezando o sentimento que tinha por mim e que, hoje sei, era verdadeiro e intenso.
            A cada intervalo de cinco minutos olho para o telefone em meu colo... Penso em te ligar, mas não sei o que dizer. Você foi claro até demais quando saiu por aquela porta aos prantos... Não consigo pensar em um discurso que me redima. Então, a casa vazia; a chuva e o céu azul escuro completando o cenário de penumbra em que me encontro; o espaço que sobra na poltrona marrom e a angústia que sufoca meu coração parecem me roubar o pouco de ar puro que ainda me resta. Urro na esperança de alguém ouvir meu clamor e vir me socorrer. Aguardo uns instantes e nem campainha, tão pouco o telefone tocam.
            A chuva lá fora aumenta, aqui dentro a angústia também. Agora a cada trovão sinto um pavor como se fosse ser aniquilada pela ira divina pelo que fiz, não somente contigo, mas comigo também.
            Gostaria tanto de uma chance de pedir perdão, de desfazer a mágoa que causei em você... Mas ao invés disso tudo o que tenho é uma covardia misturada com auto-decepção por não ter sido capaz de dar o devido tratamento à pessoa que mais amei nesta vida.
            O que me resta nesta noite? Reclino levemente, apóio a cabeça no encosto da poltrona virada para a vidraça. A chuva não cessa e minha dor também não, mas meus olhos já estão cansados de tanto chorar, então aos poucos adormeço no lugar da casa que mais me lembra você, a poltrona marrom que parece ainda carregar um suave aroma de seu perfume. Espero que isso ao menos me faça sonhar com você, pois nos meus sonhos eu ainda te tenho em meus braços.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Estufa de Orquídeas


 

      
       Você constrói uma estufa e passa uma vida toda plantando, regando e cuidando de orquídeas. Sempre que de dentro da estufa vê algum amigo ou conhecido passar e expressar certo desgosto pelas plantas (preocupado em sempre agradar os outros) busca dedicadamente cuidar mais das orquídeas, cultiva-las melhor, pois sua aparência parece não estar agradando. E isso perdura por anos e anos ... até que um dia um inesperado acontecido faz com que você perceba que não há problema algum com as orquídeas, ao contrário são grandes e robustas devido aos anos de cultivo, não há nada de errado com a aparência das orquídeas, porém as pessoas ao seu redor não gostam de orquídeas! Você se senta ao chão da estufa e chorando percebe que tudo que você ofereceu para as pessoas foram orquídeas! Mas você esteve tão ocupado dentro de sua estufa se preocupando em agradar que não poderia ver sua estufa através dos olhos alheios, ou seja: por fora! Sua vontade nesta hora: vir ao chão com toda sua estufa, destruir tudo, mas o gasto, a perda e a dor seriam muito grande, talvez até mesmo insuperável. Então, a solução: arrancar orquídea por orquídea, uma de cada vez em um processo lento e cuidadoso. A cada orquídea arrancada, limpar a terra e semear morango no lugar



       Isso aconteceu comigo. É claro que não com estufa e orquídeas, afinal nem tenho vocação para plantas. Mas a estufa sou eu mesma, e as orquídeas... Ah, as orquídeas, que durante tantos anos foi tudo o que em mim eu considerava de mais belo (já que a estufa não é das melhores). Meu modo de ser... ele é minhas orquídeas. Precisarei de muita força e determinação para desplantar cada orquídea, mas o farei. E os morangos... o ser de Cristo. Quero viver e transparecer Cristo em cada célula do meu corpo. Sei que não agradarei a todos, talvez até agrade menos pessoas que agradei com as orquídeas, mas ao menos sei que desta vez será a planta certa. E que, se eu for tão dedicada quanto fui com as orquídeas, em breve as pessoas não só estarão apreciando minha plantação de matinhos verdes, mas também poderão desfrutar de seus frutos. E quanto a estufa.. essa permanecerá limpa, transparente e aberta, como a vida de Cristo.



       Muitas pragas destruidoras eu enfrentarei, mas agora sei fazer uso de um inseticida muito poderoso que não prejudica a plantação, ao contrário mata os parasitas e ajuda minhas plantinhas a crescer: a palavra de Deus que, juntamente com a água viva que flui do trono de Deus (com a qual regarei todos os dias meus moranguinhos) estou certa de que vencerei!

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Desencontro

  
     Ele esperara tanto por aquele momento que nem acreditava que havia chegado!

     Passara o dia todo pensando somente nesta oportunidade, afinal só para criar coragem de convidá-la para este encontro ele levou meses; e seu amor oculto por ela existia há anos!
     Assim que saiu do trabalho comprou flores frescas, foi para casa e tomou um longo banho se imaginando ao lado dela em uma mesa de restaurante.Escolheu a melhor camisa, uma boa calça e um sapado lustrado.
     A cada minuto que passava seu coração martelava como um sino de igreja aumentando suas badaladas em noite natalina. Suas mãos trêmulas mal conseguiam abotoar os botões da camisa. Não estava necessariamente chique, mas não queria fazer feio logo no primeiro encontro com o grande amor de sua vida. Há pouco tempo ela havia saído de um relacionamento conturbado cheio de mentiras e engano; ele queria dar a ela o melhor que podia.
     Meia hora antes do horário combinado pegou as chaves do carro e resolveu partir... “caso chegue muito cedo, fico esperando no carro antes de chamar” pensou, pois sabia que ela zelava por pontualidade.
     Sua casa não distava muito da dela, uns doze minutos apenas, portanto dirigia em velocidade regular. Dentro do carro, em um volume agradável aos ouvidos, ouvia-se uma doce melodia (“...lucky I’m in love with my best friend...”) que, mesmo sem saber o que dizia, ele cantarolava alegremente.
     A apenas uns cinco minutos de sua casa ele ouviu um estalo forte em um dos pneus. Diminuiu a velocidade gradativamente até parar, respirou fundo já sabendo que tipo de problema encontraria lá fora. Desceu do carro e viu o que menos gostaria de ver naquele momento: o pneu da frente havia furado.
     Às pressas correu para o porta-malas, pegou sua caixa de ferramentas e se dirigiu ao pneu furado. Ao tentar tirá-lo encostou a manga de sua camisa na borracha suja criando uma mancha desagradável, mas nem se importou muito, continuou com sua corrida contra o tempo. Assim que terminou entrou no carro e já foi ligando o motor, mas viu a caixa de ferramentas para fora; desceu do carro deixando a porta bater logo em seguida, pegou a caixa e caminhou rapidamente em direção ao porta-malas, mas estava trancado. Voltou à porta da frente e assim que forçou a maçaneta se arrependeu amargamente de não ter consertado a maldita trava elétrica.
     Parecia piada do destino, lá estava ele, já há dez minutos atrasado para o momento mais esperado de sua vida e trancado para fora de seu próprio carro. Bateu as mãos nos bolsos a fim de pegar o celular para avisá-la, mas sentiu como se fosse um soco na boca do estômago ao ver o pequeno aparelho em cima do painel do carro. Ela jamais acreditaria em tudo isso.
     Quinze minutos se passaram até que outro carro passasse por lá, mais vinte e cinco para que o chaveiro viesse e fizesse seu serviço. Muito depois do combinado, sujo e extremamente abalado lá estava ele parado em frente a casa dela. Casa fechada, luzes apagadas, ninguém respondeu ao interfone. Foi então que seu mundo desabou de vez, socou o muro e teve vontade de chorar, não sabia se de dor na mão ou no coração. Resolveu nem se quer ligar... Perdera sua grande chance.
     Custou a dormir e ainda teve pesadelos, acordou um caco e foi trabalhar contra a própria vontade. Alguns minutos de trabalho mal feito e seu celular tocou, era ela. Seu coração acelerou como um corredor em segundo lugar disparando para chegar em primeiro.
     Ela se desculpou por não ter ligado avisando, mas tivera que sair às pressas com seu pai para levar sua mãe ao hospital, por isso não estava em sua casa na hora marcada. Mal sabia ela que nem ele estava... Mas nada mais importava, afinal ele já se preparava mentalmente para o encontro que acabara de marcar... “vai ser uma noite especial!” sussurrou ao desligar o celular. E passou o resto do dia como se a noite anterior nem se quer tivesse existido.

Perdida em si mesma

      
 Julia tinha sido um exemplo de garota a vida toda. Boa aluna, boa filha, boa cristã.

Mas nunca provara um grande amor. Achava-se indigna disso. Por mais que fizesse tudo correto, tudo da maneira como deve ser, sentia que nada disso a tornava uma pessoa melhor. Como se o esforço que fizera a vida toda para ser uma “boa menina” não adiantasse de nada ou se quer valesse a pena.
       Tinha muitos amigos e família maravilhosa, mas no fundo se sentia sozinha.
Sabia que Deus a amava, mas com freqüência tinha grandes dificuldades em acreditar nisso. Em certos momentos até pensava que Ele não queria vê-la feliz.


       A solidão nunca foi um problema para ela... já havia aprendido a conviver com isso... pelo menos até a gora. Há poucos meses a solidão se tornara um fardo pra Julia... fardo que ela não queria mais carregar.
Então pensou “E se eu mudasse os padrões?! Talvez seja este o meu problema... talvez eu deva ser simplesmente como a maioria”
       Julia passou a agir como a maioria das garotas de sua idade. Começou a beber e freqüentar baladas. Roupas mais decotadas, maquiagem mais carregada, atitudes mais ousadas. O erro não estava em como ela se vestia e para onde ia... Mas Julia estava tentando se encontrar em lugares aos quais nunca pertenceu. E foi tentando se encontrar que se perdeu.
       Procurou o amor nos lugares mais inusitados possíveis. Tentou achá-lo de maneiras que jamais faria em outras épocas. Mas além de não encontrá-lo, se perdeu dentro de si mesma.
      
       Fim de tarde e Julia está sentada ao chão olhando fixamente para o nada... por sua cabeça passam mil teorias... Em que trecho de sua caminhada se perdeu?! Até onde ela deverá voltar para se encontrar? Mas de todas as dúvidas e pensamentos que borbulhavam em sua cabeça de uma coisa ela tinha certeza: antes de encontrar um grande amor ela precisará encontrar a si mesma.