terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

ENSAIO SOBRE LÁGRIMAS



         Lágrimas são como uma tourada alvoroçada, se você tentar segurá-las o estrago pode ser pior.
            As razões de elas se formarem podem ser diferentes (dor, regozijo, tristeza, nervosismo, etc.). Mas o objetivo delas é um só: transformar em matéria concreta aquilo que só existe no abstrato.
            Há quem diga que o canal lacrimal tem ligação direta com o coração. E que a quantidade de lágrimas liberadas é proporcional a intensidade do sentimento que as impulsionam. Até porque elas sempre estão ligadas a sentimentos... Ainda que falsas e fingidas, há um sentimento por trás delas.
            Uma única lágrima é algo tão pequeno e transparente (quase imperceptível), mas é capaz de comover quem a libera e quem a vê sendo liberada.
            Sua composição? Praticamente um soro caseiro... Uma água levemente salgada, mas com a estranha propriedade de causar alívio ao ser liberada (mesmo que em meio a turbulências).
            Todos os seres humanos, por mais frio, insensível, bruto ou indiferente que seja já derramaram lágrimas algumas vezes na vida.
            Portanto, embora as lágrimas sejam freqüentemente associadas a tristezas e amarguras, elas na verdade são sinais de vida. Mortos não choram. Nem os fisicamente mortos, tão pouco os emocionalmente mortos.
            Diante disso, na próxima vez que uma lágrima escorrer em seu rosto não tenha vergonha, nem se reprima... Deixe que ela escorra por sua face e faça com que ela morra em um sorriso... Um sorriso por lembrar-se que aquela gota umedecendo sua pele é um sinal de que você está vivo, por fora e por dentro!

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Posso?

       
       A TV estava ligada, mas Karen não estava assistindo nada. Estava simplesmente sentada a frente da TV estática com o controle remoto na mão direita. A dor havia se agravado. Ela estava ali há horas, simplesmente refletindo sobre o rumo que sua vida havia tomado... Seu sonho de morar sozinha e a sensação de vazio que isso agora lhe trazia. As amizades que não fizera na nova cidade, o amor que perdera por ser egocêntrica demais e o fundo do poço onde se encontrava agora que até mesmo sua saúde estava perdida.
            De repente teve um surto. Desligou a TV, largou o controle remoto e foi até seu quarto. Tirou uma mala vermelha debaixo da cama e começou a colocar algumas peças de roupas. Será que ela havia pirado de vez de solidão? Estaria fugindo da casa onde mora sozinha?
            Minutos mais tarde bate a porta de uma casa do outro lado da cidade.
- O que você está fazendo aqui? Achei que a gente tinha se separado... e você mesma disse que não queria mais me ver...
- Posso dormir aqui hoje? – Perguntou Karen com uma expressão tão desiludida que era capaz de comover o mais duro coração...
- Você pensa que é assim? Me destrata durante anos, larga de mim e agora é só bater em minha porta que eu te acolherei de braços abertos? Não vai ser tão fácil assim...
- Não estou pedindo que me namore de novo ou que me aceite de volta em sua vida. Nem se quer espero compreensão amistosa de sua parte... Estou simplesmente pedindo ao ser humano que há em você se pode me dar um teto para dormir esta noite!
- Foi despejada??
- Não... não quero ficar sozinha mais esta noite... só quero dormir em um lugar onde eu saiba que tem mais uma pessoa... É só por hoje, eu prometo... estou com muita dor...
Foi aí  que ele não conseguiu mais oferecer resistência, abriu a porta e deixou-a entrar. Ela foi logo se ajeitando no sofá.
- Não, você dorme em minha cama que eu durmo no sofá.
- Não precisa ter pena de mim... estou doente, mas continuo sendo a mesma idiota que não soube te amar.
- E eu continuo sendo o mesmo cara gentil que um dia te amou. Vamos lá que arrumarei minha cama para você.
Não encontrou palavras para rebater aquele argumento... Teve até vontade de chorar... Mas era durona... Respirou fundo e se dirigiu para o quarto que ela já sabia decor onde ficava. Ele arrumou a cama e avisou que iria tomar um banho. Ela se deitou até que ele desocupasse o banheiro a fim de se aprontar pra dormir... Mas acabou pegando no sono, estava realmente cansada.
Ao sair do banho ele parou para admirar a cena. Aquele anjo repousando em sua cama nem parecia a mulher que partira seu coração em mil pedaços. Tentou chamá-la suavemente para que ela ao menos colocasse uma roupa mais confortável, mas só ouviu um gemido de dor. Achou melhor deixá-la assim mesmo. Virou-se para sair do quarto, mas a consciência pesou... ela não queria ficar sozinha...
Depois de relutar consigo mesmo voltou e deitou-se ao lado de Karen. Ela gemeu mais uma vez agora se virando de costas pra ele e apertando um travesseiro contra o abdômen. A cena cortou-lhe o coração... o mesmo que já havia sido partido. Então se aproximou, abraçou-a e ela se ajeitou em seus braços como uma criança manhosa. Karen chegou a quase despertar, mas não queria que ele saísse dali, então simplesmente aproveitou-se do aconchego. Sabia que no dia seguinte teria que fazer de novo sua mala vermelha (como prometera), mas o que importava mesmo era aquele momento... e que não estava sozinha mais. Suspirou feliz e adormeceu... nos braços do homem que ainda amava e não sabia como dizer.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

QUANDO VOCÊ VOLTAR...



Já era tarde da noite, mas ela não se importava... Lucy precisava de uma ducha fria. Ela já não sabia se sua cabeça estava quente daquele jeito por causa do calor que fazia ou por causa de tudo o que acabara de acontecer.
A discussão tinha sido longa, ela o acusava e ele a feria com palavras. Ambos tinham razão em seus argumentos, mas ao mesmo tempo ambos estavam errados em lidar daquela forma com suas diferenças.
Desta vez, porém, ao invés de esbravejar até sua voz não agüentar mais, Lucy simplesmente o ajudou a fazer as malas. Ele ficara surpreso com sua atitude, mas é que Lucy não agüentava mais, simplesmente não tinha mais forças para brigar.
Lucy reviu todo o ocorrido em sua mente enquanto lavava sua cabeça com água fria. Para sua própria surpresa não chorou. Saiu do banho, colocou seu pijama mais fresco e foi para o quarto. Deitou-se na cama agora tão espaçosa com a falta de Renato. E de súbito teve uma vontade imensa de ouvir uma musica suave para dormir... Por conta da saudade que já apertava seu peito escolheu a coletânea de Renato Russo que tinha em seu MP3. Apertou “shuffle” e deixou que o próprio aparelho escolhesse as músicas que ouviria.
Não acreditou em seus ouvidos... Parecia que seu MP3 estava conectado ao seu coração e ao ouvir a primeira música derramou o mar de lágrimas que havia segurado até então... E enquanto molhava seu travesseiro com lágrimas, como uma trilha sonora de uma cena triste de um filme de drama, ela ouvia:

“Vai, se você precisa ir
Não quero mais brigar esta noite
Nossas acusações infantis
E palavras mordazes que machucam tanto
Não vão levar a nada, como sempre
Vai, clareia um pouco a cabeça
Já que você não quer conversar.
Já brigamos tanto
         Mas não vale a pena
        Vou ficar aqui, com um bom livro ou com a TV
Sei que existe alguma coisa incomodando você
Meu amor, cuidado na estrada
E quando você voltar
Tranque o portão
Feche as janelas
Apague a luz
e saiba que te amo...”

Ao toque da última nota do piano na música derramou sua última lágrima e desligou o MP3... Não havia sido uma boa idéia ouvir música. Colocou o aparelho sobre o criado mudo virou-se para o lado vazio da cama e adormeceu acariciando o travasseiro dele.
Mais tarde ouviu o portão se abrir e um carro estacionando na garagem. Não conteve o sorriso e simplesmente sussurrou: “Tranque o portão, feche as janelas, apague a luz e saiba que te amo...”