segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Semeando amor


Ao chegar à porta da sala de aula, assim com todas as outras salas, a turma já estava em alvoroço.
Na frente da turma, em pé, estava o engraçadinho da classe fazendo gracejos e tirando risadas de alguns. Na lousa ainda se encontrava o texto passado pelo professor da aula anterior, o qual um terço da sala ainda copiava.
Dirigi-me até minha mesa logo depois de cumprimentar a sala. O engraçadinho não se intimidou continuou dançando a aprontando. Um aluno pediu, encarecidamente, para que eu deixasse a matéria na lousa por pelo menos mais cinco minutos. Não recusei. Enquanto isso fui fazendo chamada e organizando meu material na mesa. Ouvi um garota pedir educadamente ao colega (que ainda estava na frente da sala) para que se sentasse, pois ela não conseguia ver a matéria na lousa, mas ele nem se quer se incomodou, ao contrário, agora fazia gracejos com os braços levantados para cobrir mais ainda o texto.
- Teacher! – Ouvi uma voz feminina me chamando. Virando-me na direção do som vi quem me chamava, uma garota que não era das mais inteligentes, mas com certeza uma das mais quietas, raramente se ouvia sua voz. Em cima de sua mesa uma caneta com a tampa mordida, um caderno surrado e um estojo de lata todo amassado e furado com apenas dois lápis dentro. A carteira atrás dela era a única vazia, ou seja, era exatamente onde devia estar sentado o engraçadinho.
Assim que respondi, ela continuou: “Pede pra ele dar licença, preciso terminar de copiar o texto”. Chamei a atenção do garoto que, não gostou nada, mas foi se sentar; e sentado começou a azucrinar a garota tímida sentada a sua frente. Ela, inabalada continuava a escrever serenamente.
Assim que terminaram de copiar apaguei a lousa para passar agora a minha matéria, mas ainda ouvia as pentelhações do garoto. Chamei a atenção dele de novo e desta vez fui mais rígida. Então ele se doeu, mas não podia descontar na professora, portanto decidiu que a culpada de tudo isso era a pobre garota a sua frente.
Enquanto eu escrevia na lousa ouvi de fundo o garoto pentelho determinando que daquele momento em diante ninguém mais conversasse com a garota. Dei mais uma bronca, porém não resolveu por completo, pois além de achá-lo engraçado a sala também o temia!
Percebi que a sala realmente a estava evitando. Assim que terminei, expliquei a matéria, tirei as dúvidas e mais uma vez voltei à lousa, desta vez para passar os exercícios. Mesmo de costas percebi o que acontecia, cada vez que alguém ameaçava falar com a garota ou responder a alguma pergunta dela:
- Já disse que não é pra falar com ela! – intervinha o garoto.
Assim que terminei de passar os exercícios na lousa expliquei e dei ordem para que fizessem.
Mais uma vez o garoto atentado se manifestou, agora dizia que não queria fazer o exercício; firmemente o adverti que fizesse mesmo assim e ele surgiu com outra desculpa “Mas não tenho lápis, teacher”. Sem amolecer respondi: “Empresta de alguém!”. Então ele se levantou para perguntar aos seus colegas quem poderia lhe emprestar um lápis. Continuei caminhando pela sala e ajudando os alunos com dificuldades.
Várias vezes o ouvi repetindo a mesma pergunta, mas parece que ninguém tinha um lápis extra. De costas para ele pensei comigo “É pouco pra ele! Ninguém mandou judiar da coitada!” Então um som que eu não esperava ouvir cortou meus pensamentos maléficos, um estalar de lata me chamou a atenção, virei imediatamente para conferir.
A garota tímida abria o estojo, pensei “ela deve ter terminado de copiar os exercícios e agora vai resolvê-los”... Ledo engano! A garota pegou o maior lápis de seu estojo e virou-se para trás estendendo-o ao garoto; ele levou alguns segundos para entender a situação. Sua luta interna foi perceptível, mas ele não tinha outra opção. Na classe pairava um silêncio absoluto; alguns alunos, assim como eu, assistiam à cena imóveis. Ele esticou o braço e pegou o lápis da mão da garota, sentou-se, abaixou a cabeça e em silêncio constrangedor começou a responder os exercícios. Ali, naquele momento ela teve a grande chance de se vingar, poderia ter feito um longo discurso a fim de humilhá-lo mais do que ele próprio já se sentia; poderia ter xingado, ter dito o famoso “viu só?”, ou simplesmente o ignorado como ele queria que a sala toda fizesse com ela. Porém ela teve uma atitude que somente o próprio Cristo e muitos poucos mortais teriam, pagou o ódio com amor!
Durante resto da aula tive dificuldade para engolir... eu tinha um nó na garganta. Naquele dia fui para casa ciente de que jamais esqueceria aquela cena, em que vi na prática algo que só conhecia na teoria... é possível semear amor em solo árido!

terça-feira, 19 de outubro de 2010

SERÁ??

            Será que ainda existe romance a moda antiga?
            Será que é errado sonhar com um casamento (com direito a véu e grinalda) para a vida toda?

            Os homens fingem não se importar mais com sentimentos e coisas semelhantes; tratam as mulheres como objetos e priorizam a quantidade ao invés da qualidade de relacionamentos.
            As mulheres resolveram que devem ser iguais aos homens em tudo. (Será que só eu vejo que mulheres SÃO diferentes de homens?!?). Com isso elas trocaram:  ter portas abertas e cadeiras puxadas, receber cartas românticas e flores, ser convidada para jantar a dois sem pagar a conta, ser tratada com toda a delicadeza e amor por ser o sexo frágil... dentre outras coisas lindas POR: jornada dupla de trabalho, rachar contas, ser tratada com as mesmas grosserias com que os homens tratam seus amigos e assim por diante.
            Os homens não cortejam mais. Não se dedicam a uma só mulher, não mandam flores nem chocolates, não escrevem cartas ou poemas, tão pouco fazem serenatas (acreditem isso existia!). As mulheres, em contrapartida, tomam iniciativa na hora de “ficar”, dizem também ter desejo por sexo sem sentimentos (como homens), não se dedicam mais a um homem só as vezes até mesmo beijando vários deles na mesma noite.
            MEU DEUS, no que transformaram os relacionamentos?!?!?!?!
            Onde está o amor (em sua pura essência)?
            Tudo bem que contos de fadas não existem. Mas será que devemos abaixar tanto nosso padrões? Será que devemos simplesmente ignorar o fato de que, no passado, divórcio e traição não eram tão freqüentes e comum quanto duplas sertanejas?! (Ps: até elas mudaram).

            As vezes me sinto um alienígena por acreditar e desejar um amor para a vida toda. Por não desprezar meu corpo a ponto de entregá-lo nas mãos de outroS.
            Mas sabe de uma coisa? Se os ensinamentos de Jesus funcionam até hoje, por que seria diferente com seus padrões?
            Portanto, alien ou não, não deixarei de viver os princípios nos quais acredito só porque a maior parte das pessoas os ignora. Afinal, “as vezes, a maioria significa que todos os tolos estão do mesmo lado”.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Coração de Pedra (III)

Parte III - O desfecho final




           Pouco depois das dez, no dia seguinte, Sofia foi acordada com seu telefone tocando. A música a fez sorrir (“It´’s always better when we’re together...”), atendeu ainda sonolenta “A-alô?”
            - Te acordei Sofi? – Era Luiz
            - Sim! – ela respondeu rispidamente.
            - Então se troca, porque daqui a pouco estarei chegando aí com o pão pra gente tomar café da manhã e bater papo.
            - Tá... Tchau!
            Assim que desligou Sofia foi se trocar resmungando... “Aposto que agora ele quer contar como foi a noite de sábado com a moça bonita do segundo ano... E eu como boa amiga terei que ouvir tudo!”
            Já começou a se preparar psicologicamente, pois teria que fazer um esforço sobre-humano para não demonstrar sua indignação.
            Vestiu um jeans, camiseta e um par de chinelos e foi para cozinha organizar a mesa e tudo o mais. Se ela gostasse realmente dele teria que desejar sua felicidade (ainda que fosse com outra pessoa), portanto lutava contra seus próprios pensamentos que desejavam que aquela mocréia fosse atropelada!
            Seu devaneio foi interrompido pelo som do interfone. “Pode subir” disse em tom amigável já liberando o portão do prédio. Abriu a porta e lá estava ele com um saco de pães que pareciam estar quentinhos. “Como ele consegue ser tão bonito mesmo uma hora dessas da manhã?!? CONCENTRE-SE Sofia! Ele não passa daquele seu amigo que tanto já te sacaneou!”. Assim que voltou desta luta interna convidou-o para entrar.
            O papo entre os dois fluiu como sempre acontecera. Falaram sobre o clima, sobre a semana de testes que já acabara, sobre as eleições, sobre a vitória do time para o qual torciam (acreditem, eles torciam pelo mesmo time)... conversaram sobre tudo menos a moça que ele havia beijado. Por um lado Sofia estava satisfeita em não ouvir o nome da mocréia (este apelido combinava melhor com ela), mas por outro lado sua curiosidade feminina a estava corroendo por dentro! Arriscou:
            - E a moça bonita do segundo ano? – Se Sofia usasse o apelido que dera a ela talvez Luiz não soubesse de quem ela estava falando.
            - Então, Sofi. Este é um dos motivos de minha visita... eu precisava falar contigo... e é sério. Sei que seu coração de pedra não entende muito de sentimentos, mas...
            Sofia tossiu engasgada com o gole de leite que acabara de colocar na boca. “Não acredito que ele veio até meu apartamento para me contar que está apaixonado por aquela mocréia!” Sofia não parava de tossir repetidamente, já estava com o rosto avermelhado.
            - Você está bem, Sofi? Quer um pouco d’água? O que posso fazer?? – perguntou Luiz já desesperado batendo nas costas de Sofia e levantando seus braços.
            Ela tinha que se livrar desta situação, era tudo muito recente, não sabia se suportaria ouvir da boca dele que estava apaixonado por outra pessoa... sua covardia estava impelindo-a a agir.
            - Sabe o que é, Luiz, lembrei-me que tinha marcado de fazer um trabalho na casa da Érika e já estou atrasada – disse Sofia já empurrando Luiz porta a fora.
            - Mas nem dá para gente conversar mais um pouco? Você é minha melhor amiga!
            A palavra amiga fez Sofia empurrá-lo com mais força ainda. Passou direto pelo elevador e, aproveitando-se de morar no primeiro andar acompanhou-o até o portão.
            - Sinto muito, Luiz, mas não posso deixar de ir, preciso de nota desta matéria – Sofia estava simplesmente metralhando as palavras, suas mãos tremiam, sua musculatura estava enrijecida. Ela realmente parecia desesperada, tinha perdido o controle de suas emoções e atitudes!
            Já pra fora do portão Luiz virou-se pra Sofia, segurou seus dois ombros apertando-os firmemente, olhou sério em seus olhos e disse em voz alta: “Pára! Já que não quer ouvir... sinta!” Colocou as duas mãos segurando firmemente a nuca de Sofia e suavemente beijou-lhes os lábios. Um beijo doce, macio e carinhoso. As pernas de Sofia amoleceram, aliás toda sua musculatura amoleceu; a tremedeira de repente passou, ela sentia como se estivesse derretendo nas mãos dele. Luiz foi se afastando de sua boca suavemente e Sofia não conteve um gemido de desapontamento “Por que parou?” ela pensou. Luiz sorriu, segurou as duas mãos de Sofia e olhando em seus olhos sussurrou:
            - Perdão, mas eu precisava fazer isso... Precisava provar seu beijo, o que só confirmou o que vim dizer: ficar com a moça do segundo ano só me fez perceber que eu amo você... era você que eu queria beijar, você que eu queria abraçar... e isso já faz um tempo, mas quando você disse que estava apaixonada por outro cara achei que também tinha que tentar amar outra pessoa, e...
            - Era você o cara! – Sofia interrompeu-o abruptamente – Todo esse tempo era você o cara por quem eu estava apaixonada, e...
            Agora foi a vez de Luiz interromper, mas não com palavras, porém com outro beijo, desta vez mais carinhoso e mais demorado.
            E ali ficaram por um bom, tempo curtindo um ao outro, como se de repente tivessem voltado a ser criança e estivessem descobrindo um mundo novo... o mundo do verdadeiro amor.

sábado, 9 de outubro de 2010

Coração de Pedra (II)

Parte II - A decepção

           Sofia se arrependera amargamente de não ter contado toda a verdade a Luiz, pois contara somente parte dela (“estou apaixonada”) e agora tudo tinha ficado mais difícil, afinal uma hora ou outra ele iria querer saber “por quem”.
            Sofia andava desatenta nas aulas, tirou algumas notas baixas; no serviço seu rendimento havia caído, derrubava objeto com mais freqüência do que uma criança que está desenvolvendo a coordenação motora, e sua memória... memória?!? O que é isso?? Ela já não tinha mais.
            Mas como se não bastasse tudo piorou naquela noite de sexta-feira em que faltou da aula. Não estava a fim de sair, alugou um bom filme e (como já fizera infinitas vezes) instintivamente ligou para Luiz... e desligou. “O que ele vai pensar?” pensou consigo mesma... “eu o convidando para um filme numa sexta a noite?!! Ele vai perceber” Este convite não seria diferente de muitos outros que Sofia já fizera, mas agora tinha outro peso, pois apesar de não ter confessado a Luiz seu amor por ele, ela havia dado um passo que levara anos: assumira para si mesma!
- Bobagem minha - conclui e ligou novamente.
- Alô? - o coração de Sofia pulou em seu peito. “Oi, Luiz, tudo bom? Está a fim de ver um filme? É de ação, com aquele cara que você curte, o...”
- Não, Sofi, hoje não estou a fim, além do mais vou para faculdade.
Sofia só conseguiu se despedir e desligar. E ele nem deveria ter aulas muito importantes.
Se convencendo que não era nada assistiu sozinha o filme. Horas mais tarde, depois de um copo de leite e já de pijamas ouviu de longe uma canção conhecida, correu e atendeu o celular esbaforida: “Luiz? Aconteceu alguma coisa?”. Afinal já passavam da meio-noite.
- Sabe aquela moça bonita da faculdade... aquela que te falei... então, hoje a beijei!
Sofia só conseguiu dizer “Legal” que mais parecida um gemido de dor que uma palavra. Por instantes achou que haviam roubado seu chão... E então os minutos que se passaram pareciam uma eternidade. Luiz contou detalhadamente tudo o que aconteceu em seu encontro que, por sinal, fora o motivo de não querer ver o filme com Sofia. “Mas você não tinha aula hoje?” – perguntou Sofia tentando esconder o tom de revolta.
- Tinha, mas nem era muito importante.
Sofia não suportou mais três frases e disse que tinha que dormir, desligou logo sem seguida e corre para o quarto, agarrou a primeira coisa ao seu alcance (um urso enorme de pelúcia marrom como seu cabelo) e pulou em sua cama.
Chorou muito até pegar no sono. Na manhã seguinte se levantou e, arrastando o urso com o qual dormira abraçada a noite toda, foi tomar café.
Mil e uma perguntas e teorias passavam por sua cabeça, “Será que ele gosta daquela moça? Ela nem é tão bonita assim. Será que se ele soubesse de tudo teria ficado com ela mesmo assim?” Bom, mas ele não sabia de nada e estava simplesmente contando um novidade para uma amiga... amiga, ela queria ser muito mais que isso.
            Passou o dia se arrastando pra lá e pra cá, apertando o urso contra o peito inconformada com o rumo que tudo aquilo havia tomado. Tudo era tão mais fácil antes, pelo menos seu coração de pedra não doía tanto... Nem viu o dia passar e logo anoiteceu. Colocou o pijama novamente e se deitou, foi então que se deu conta que aquele era o urso que Luiz havia lhe dado ano passado... começou a rir... passara o dia todo com um urso de pelúcia; como aquilo parecia atitude de garotinha acuada! Chegou a até se imaginar uns centímetros mais baixa e alguns anos mais nova. Ainda sorrindo apertou forte Luigi (esse era o nome do urso), virou-se e dormiu.

Ps: Aguardem a Parte III - O desfecho final

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Coração de Pedra (I)

                               
Parte I - Desabafo pela metade:
              
             Sofia não podia mais conter aquilo dentro de si. Seu estômago parecia uma panela com óleo fervendo onde fora jogado um punhado de milho.
            Com Luiz ali parado a sua frente, em uma fração de segundos ela vislumbrou cenas de seu passado, como aquela na pré-escola em que caiu, ralou o joelho e ele ficou um bom tempo soprando a ferida e dizendo que ia passar. Lembrou-se também de todos os trabalhos e tarefas que fizeram juntos. E quando ela deu o primeiro beijo, logo que chegou em casa ligou pra ele contando sua nova experiência cheia de detalhes. Hoje ela pensa que poderia ter sido com ele... e como ela gostaria que tivesse sido! Lembrou-se até mesmo de quando (no ano passado) rompera seu namoro que havia durado mais de oito meses. Ela passara uma semana tão abatida que no fim de semana, com intuito de animá-la, Luiz deu a ela um enorme urso de pelúcia, com a pelúcia mais fofa que já tocara; Luigi foi o nome dado ao urso, já o nome do rapaz... Ela nem se lembra mais.
            “Tudo bem contigo?” Foi a frase que a tirou do transe. Foi então que se deu conta que enquanto revivera bons momentos de seu passado estivera ali inerte olhando pra Luiz. Os dois estavam a caminho da faculdade que, por mais esta coincidência do destino, era a mesma. Não faziam o mesmo curso, mas a faculdade e o ano de curso eram os mesmos.
            “Tenho que dizer alguma coisa” pensou consigo mesma. “Tu-tudo sim” balbuciou tentando soar o mais verdadeira possível, mas não estava tudo bem. Ela sentia que poderia explodir a qualquer momento.
Durante anos Sofia lutara contra aquele sentimento, afinal ele é (e sempre foi) seu melhor amigo; por isso se fechou, bancou a durona (pelo menos pra ele), não expunha seus sentimentos, falava das pessoas como se fossem coisas para evitar apego ou sofrimento... Luiz até lhe dera um “carinhoso” apelido: CORAÇÃO DE PEDRA.
“No que tanto você está pensando, Sofi?” (era assim que ele a chamava) e ele tinha intimidade suficiente para perguntar-lhe isso. Sofia encheu os pulmões de ar, engoliu em seco e sem pensar cuspiu as palavras: “Acho que estou apaixonada”
Ele arregalou os olhos surpreso e curioso ao mesmo tempo. Ela se deu conta do que havia feito, não havia nem se quer feito rodeio, simplesmente jogara em seu colo o fardo que há muito carregava sozinha.
Colocando as mãos nos bolsos de sua calça, curvando levemente a cabeça e levantando as sobrancelhas Luiz perguntou: “Sério? E quem é o cara?”
Sofia sentiu como se tivesse sido jogada um uma piscina com gelo; em questão de segundos sua temperatura corporal despencou. Sentia até mesmo que havia empalidecido. Nem escutava mais seu coração, imaginava se ele poderia ter parado de bater. Mas precisava reagir, Luiz continuava olhando para ela e aguardando resposta. Então ela inflou o peito, endireitou a postura, olhou-o diretamente dentro de seus olhos, plainou sua mão direita no ombro esquerdo dele e disse:
“Uma outra hora a gente conversa sobre isso. Agora vamos acelerar que já estamos atrasados.” E justificou consigo mesma... “guardei isso por tantos anos, por que não mais uns dias?”

terça-feira, 5 de outubro de 2010

FIM DE TUDO

           
            Está quente aqui fora; lá dentro deve estar muito mais.
            Hoje foi o fim de tudo, mas não estou triste, todo fim traz consigo um novo começo.
            Durante anos trabalhei duro; desde os primeiros anos de escola até o último de faculdade. Fiz o mesmo com meu emprego; dava tudo de mim, pouca vida social e não muitos amigos.
            Vivi muito tempo em função dos outros, fazia de tudo para agradar. Fiz a faculdade que minha mãe queria; sempre dei o sangue no serviço, como meu pai fazia. Aceitava quase tudo vindo de meus amigos por conta de minha dificuldade em dizer não. Até mesmo namorei a garota que meu amigo dizia ser ideal para mim. Gostei muito dela... de verdade.
            Esforcei-me mais, juntei uma grana, comprei uma casinha em um bairro ermo (como meu pai queria). Minha mãe a decorou e minha namorada a ajudou... confesso que até pensei em casamento. E então, não mudei só de casa, mas também de rotina. Não vivia mais em função do trabalho somente, mas em função dela também.
            Tudo o que ela desejava e estivesse ao meu alcance, eu lhe dava. E não me refiro somente a coisas materiais, dei a ela todo o carinho e amor que pude, muito além do que recebi.
            Ontem ela me ligou avisando que não estava muito bem, portanto não viria me ver, então sai para tomar um ar, afinal há tempos não andava pela rua (a não ser para levá-la onde queria). Há diversas quadras de casa vi uma cena difícil de digerir, lá estava ela aos beijos com um cara que eu nem fazia idéia de quem era. Minha vontade era esmurrar os dois, mas nunca fui de violência. A raiva corroia meu estômago, eu tinha que fazer algo para liberar toda aquela ira.
            Corri tanto na volta pra casa que mal vi as quadras passarem. Em um acesso de fúria quebrei tudo ao meu alcance; horas mais tarde, cansado de tantos chutes e socos adormeci no tapete da sala. Acordei no meio da tarde e logo percebi o imenso estrago que causara, quase tudo quebrado... a única coisa intacta em minha estante era a maldita garrafa de Tequila importada que ela me dera. Então tive a fatídica idéia!
            Peguei meu celular e liguei para o meu chefe; sem maiores explicações me demiti, ele disse alguma coisa que nem fiz questão de ouvir, desliguei. Abri a garrafa de nome estranho espanholado e dei um gole para cada parte de minha casa. Da porta da rua era possível sentir o cheiro inebriante de álcool. Já do lado de fora joguei para dentro o restinho que sobrara na garrafa, com um lenço em chamas em seu gargalo.
            Posso sentir o calor aqui do outro lado da rua. Ainda bem que não tenho vizinhos.
            Hoje dei fim a vidinha medíocre que levava, e a tudo que me ligava a ela. Amanhã... bom, amanhã será outro dia... por enquanto tudo em que penso é: como nunca reparei quão bela é a cor laranja? Para mim, a cor do fim.  As labaredas laranjas dançam cobrindo toda a casa, o calor acaricia meu rosto cansado. O fogo me trouxe o fim. Meu novo princípio será cinza, porém mais colorido do que nunca e, o mais importante, com as cores que EU escolher!