quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Posso?

       
       A TV estava ligada, mas Karen não estava assistindo nada. Estava simplesmente sentada a frente da TV estática com o controle remoto na mão direita. A dor havia se agravado. Ela estava ali há horas, simplesmente refletindo sobre o rumo que sua vida havia tomado... Seu sonho de morar sozinha e a sensação de vazio que isso agora lhe trazia. As amizades que não fizera na nova cidade, o amor que perdera por ser egocêntrica demais e o fundo do poço onde se encontrava agora que até mesmo sua saúde estava perdida.
            De repente teve um surto. Desligou a TV, largou o controle remoto e foi até seu quarto. Tirou uma mala vermelha debaixo da cama e começou a colocar algumas peças de roupas. Será que ela havia pirado de vez de solidão? Estaria fugindo da casa onde mora sozinha?
            Minutos mais tarde bate a porta de uma casa do outro lado da cidade.
- O que você está fazendo aqui? Achei que a gente tinha se separado... e você mesma disse que não queria mais me ver...
- Posso dormir aqui hoje? – Perguntou Karen com uma expressão tão desiludida que era capaz de comover o mais duro coração...
- Você pensa que é assim? Me destrata durante anos, larga de mim e agora é só bater em minha porta que eu te acolherei de braços abertos? Não vai ser tão fácil assim...
- Não estou pedindo que me namore de novo ou que me aceite de volta em sua vida. Nem se quer espero compreensão amistosa de sua parte... Estou simplesmente pedindo ao ser humano que há em você se pode me dar um teto para dormir esta noite!
- Foi despejada??
- Não... não quero ficar sozinha mais esta noite... só quero dormir em um lugar onde eu saiba que tem mais uma pessoa... É só por hoje, eu prometo... estou com muita dor...
Foi aí  que ele não conseguiu mais oferecer resistência, abriu a porta e deixou-a entrar. Ela foi logo se ajeitando no sofá.
- Não, você dorme em minha cama que eu durmo no sofá.
- Não precisa ter pena de mim... estou doente, mas continuo sendo a mesma idiota que não soube te amar.
- E eu continuo sendo o mesmo cara gentil que um dia te amou. Vamos lá que arrumarei minha cama para você.
Não encontrou palavras para rebater aquele argumento... Teve até vontade de chorar... Mas era durona... Respirou fundo e se dirigiu para o quarto que ela já sabia decor onde ficava. Ele arrumou a cama e avisou que iria tomar um banho. Ela se deitou até que ele desocupasse o banheiro a fim de se aprontar pra dormir... Mas acabou pegando no sono, estava realmente cansada.
Ao sair do banho ele parou para admirar a cena. Aquele anjo repousando em sua cama nem parecia a mulher que partira seu coração em mil pedaços. Tentou chamá-la suavemente para que ela ao menos colocasse uma roupa mais confortável, mas só ouviu um gemido de dor. Achou melhor deixá-la assim mesmo. Virou-se para sair do quarto, mas a consciência pesou... ela não queria ficar sozinha...
Depois de relutar consigo mesmo voltou e deitou-se ao lado de Karen. Ela gemeu mais uma vez agora se virando de costas pra ele e apertando um travesseiro contra o abdômen. A cena cortou-lhe o coração... o mesmo que já havia sido partido. Então se aproximou, abraçou-a e ela se ajeitou em seus braços como uma criança manhosa. Karen chegou a quase despertar, mas não queria que ele saísse dali, então simplesmente aproveitou-se do aconchego. Sabia que no dia seguinte teria que fazer de novo sua mala vermelha (como prometera), mas o que importava mesmo era aquele momento... e que não estava sozinha mais. Suspirou feliz e adormeceu... nos braços do homem que ainda amava e não sabia como dizer.

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